Quando falamos em composição, não é só musical que ela se refere, se trata de todo o processo criativo das coisas que o homem é capaz de fazer pelo simples fato de ser homem. Como se diz, o homem é a imagem e semelhança de Deus, então mesmo quando foge do real de seu ser, está sempre criando e recriando o seu mundo interior. Na composição musical se dá o mesmo que em outras composições, já fazemos isso naturalmente dentro de nós. Quando nos lembramos de uma música e buscamos a próxima nota que não vemos, mas sabemos que deve estar lá, após aquela lembrada e cantada no seu ouvido musical ou na sua mente, passando por aquela expectativa vindoura da própria música, então você já está compondo, mas ainda não está criando. Compor, envolverá desenvolver a habilidade de intuir qual nota virá depois daquela, daquela obscura nota que acaba de ser criada. Mas por que realizar esta busca? Por que irmos atrás da próxima nota e realizarmos uma composição? Não é por arbitrariedades que um músico verdadeiro o faz, mas para se expressar, pois se expressando, por meio desta arte, ele não só se descobre, como descobre o mundo, e ao mesmo tempo, com sua arte, ele se recria, e recria o mundo, ele a torna um pouco mais a ele mesmo, e ele, por sua vez, sente-se fazer parte melhor neste mundo. A cada música, o músico se sente numa descoberta e aventura, o seu mundo interior se expande, e ele vive.
A sociedade atual tão voltada para o frenesi não tem tempo de voltar-se para si mesma, a sociedade atual se dispersa em mil coisas, ela se decompõe, no sentido amplo da palavra, mas é papel do artista juntar os pedaços criativamente, recriando o mundo, conectando corações e pessoas, ajudando a expressar o íntimo inexpresso de corações turbilhados pelo mundo. Sempre houve e sempre haverá corações e mentes destroçados, decompostos pelo mundo, por mil e um problemas que a cada um conta-se diferentes modos: preocupações, medos, angústias, esperanças, desesperos, fé, incredulidade, busca de uma conquista, a perda desta conquista, o luto, o nascimento, o sorriso da criança, o chora desta; são mil e uma novidades que se repetem debaixo do mundo, para o mundo tudo isto é indiferente, para cada alma em particular, são as coisas mais importantes, para o músico, é a matéria-prima para geração de símbolos. Símbolos são sinais que conectam a inteligência de várias pessoas para um mesmo objeto, o símbolo atrai a inteligência das pessoas e permitem que todas elas vejam e ouçam o mesmo, à medida que podem participar dele, tomando parte com ele, isto é, tomando posse conscientemente. A música tem este poder, e o verdadeiro artista procura e sabe fazer isto.
Por isso, se pode compor música para conectar almas e mentes, em torno de um mesmo símbolo, para um mesmo objeto contemplativo, meditativo, conscientizável, e assim, aumentar a voz do que é dito e ouvido no mundo. Ao aumentarmos nossa expresssividade, na música e noutras artes, aumentamos o que o homem pode dizer para si mesmos, e assim o libertamos da escravidão do indizível, que é a sua condição perene, e o que fez e faz a sua linguagem ser uma eterna busca, um eterno aperfeiçoamento, um eterno amadurecimento ou decaimento, sendo a música apenas uma dessas linguagens, mas com o poder de sedução mais imediata, talvez, dentre todas elas, porque consegue penetrar mais rapidamente dentro da consciência de alguém, sem que ele se atenha ou mesmo concorde até que a acolha. A música é assim semelhante ao próprio Espírito que sopra onde quer, quando o Espírito sopra onde quer, não há como impedir e nem ignorar, não antes que ele sopre, diga e sinta em você o que ele quer de você, voltando-se depois para a liberdade, se rejeitará ou acatará ao que o Espírito diz ao homem, ao que a Música Divina diz ao homem. A Música simboliza e representa, sobretudo, o Espírito Divino criador e restaurador, mas também aquele que decompõe para regenerar a própria existência.
Comments